Autor: Jack Wattley
* Artigo publicado originalmente na revista Tropical Fish Hobbist, Edição 475
Jack Wattley não é apenas o mais famoso criador de Discus dos Estados Unidos, mas também é responsável pela selecção e desenvolvimento de muitas variedades e é o maior criador mundial de peixes pelo processo artificial. É justamente sobre esse processo que o próprio Jack Wattley nos fala neste artigo.
A ciência e a arte de manter ovos recém fecundados e larvas de Discus pelos meios artificiais – longe dos pais – chegou a um elevado patamar depois de milhares de tentativas em nossa criação na Florida. O procedimento foi refinado a ponto que os detalhes da técnica já podem ser divulgadas a todos os criadores e interessados ter sucesso na manutenção da maior quantidade possível de filhotes de Discus.
Começaremos a falar tendo em mente que já temos disponível um casal saudável de matrizes, ou pelo menos sexualmente maduro, mesmo sem “experiência” em desova, bem alimentado e em aquários com perfeitas condições quanto a tamanho (pelo menos 96 litros) e parâmetros. Descreverei passo a passo todos os procedimentos que fazemos até completar todo o programa de reprodução.
Locais de Desova
É provável que seus discos desovem em telhas, azulejos, vasos ou tubos de PVC. Em nossa estufa os discos costumavam desovar nos canos de saída de água para o filtro, tanto que optamos por colocar pedaços de cano de PVC cortados ao meio com cerca de 25cm de altura e 5cm de largura ( 2 polegadas), que podem ser removidas do aquário facilmente depois da desova para as incubadoras. Algumas dessas peças ficam deitadas no fundo, outras em ângulo, dependendo de onde os ovos foram depositados.
Em alguns casos, algumas fêmeas podem depositar seus ovos no vidro do aquário, nesses casos a desova pode ser retirada raspando delicadamente os ovos com a ajuda de uma lâmina de barbear para colocarmos os ovos nas incubadoras, com uma solução de 1% de azul de metileno.
Essas lâminas, no entanto, geralmente vem revestidas de um óleo que precisa ser removido antes de usá-la no aquário. Água quente e sabão neutro resolvem, esfregando a lâmina com uma bucha e muito cuidado para não acontecer nenhum acidente. Depois basta enxaguar bem com água limpa.
As desovas geralmente acontecem no final da tarde, é importante dar tempo para que o macho fertilize todos os ovos. Todo o processo geralmente leva mais de uma hora, outras vezes, apenas alguns minutos.
Na retirada dos ovos para as incubadores, acabamos expondo-os momentaneamente ao ar e à temperatura do ambiente. Em nosso caso, não aquecemos os aquários, aquecemos o ambiente, dessa forma, aquário e ambiente ficam com a mesma temperatura. Mas a exposição dos ovos a essa variação por 10 ou 15 segundos não fará mal algum. Já aconteceu de deixarmos acidentalmente alguns ovos por cerca de um minuto expostos ao ar! Jurávamos que haviam morrido, entretanto olhando-os com uma lente de aumento, constatamos que pareciam normais. As larvas eclodiram e desenvolveram-se da mesma maneira que as demais.
Técnicas de Incubação
Incubamos os ovos em aquários de vidro rectangulares de cerca de 35 litros, mas nem toda a desova, apenas cerca de 40% dos ovos, os demais são mantidos com os pais.
A água das incubadoras vem de um tanque de aproximadamente mil litros com dureza de cerca de 2,5 e PH em 6,2 a 6,4. Essa água passa por carvão activado para retirar todo vestígio de cloroamina. Não é a mesma água que usamos em nossos discos adultos, nem a mesma dos próprios aquários de desova! A água deles é um misto de água de ionizada e água da torneira tratada, com PH 6,0 e dureza em torno de 0,75. A diferença entre os parâmetros parecem não afectar em nada os ovos, nem mesmo mudanças relativamente bruscas de PH, como 6,3 para 7,0. Mas já registramos uma perda de cerca de 75% dos ovos que passaram de uma água em PH 7,0 para outra com PH 6,3!
Usamos 1% de azul de metileno em todas as incubadoras. Trata-se de um bactericida leve, que resolve quase todos os problemas que poderemos enfrentar com bactérias. Em raras ocasiões formam-se fungos, geralmente Saprolegnia. Nesses casos optamos por fungicidas, como a formalina, conforme a dureza e a intensidade da infestação.
E quanto a temperatura e oxigenação das incubadoras? O normal é manter a temperatura de toda estufa em cerca de 29ºC, mas nos meses de Verão passa dos 30ºC. A temperatura ideal para os ovos é cerca de 31ºC, para isso, mantemos o aquecimento próximo às incubadoras. A temperatura um pouco mais elevada no Verão não prejudica as crias, nem acelera a eclosão.
As larvas se dão muito bem nessa temperatura mais elevada, lhes abre o apetite e as deixa mais activas, mas não recomendaria mantê-las muito tempo nessas condições, melhor que se adaptem há temperaturas mais “normais”. Mantemos uma suave, mas constante, oxigenação nas incubadoras promovida por um compressor, sem pedra porosa, soltando cerca de 30 bolhas por minuto.
Os ovos, ainda, não permanecem constantemente em solução de azul de metileno durante toda sua maturação! Os ovos são examinados de tempos em tempos ainda fixados ao cano de PVC, depois de cerca de dois dias (52 horas, para ser mais preciso) os ovos são examinados pela última vez e transferidos, ainda nos canos de PVC, para um novo recipiente com água limpa, as bacias de crescimento.
Outra razão para transferir os ovos a ponto de eclodir para as bacias de crescimento é por ser mais fácil remover os ovos ainda no tubo de PVC do que colectar as larvas uma a uma após a eclosão no aquário de desova, já que muitas delas caem no fundo do aquário.
Bacias de Crescimento
São bacias mesmo! Em nossa estrutura utilizamos as de Ágata branca com cerca de 30cm de diâmetro e 8cm de profundidade, compradas em lojas de equipamentos hospitalares. Deus sabe o que fariam com elas nos hospitais! Poderia substitui-las por fruteiras de vidro, mas preferimos brancas para facilitar a visualização das larvas. Meu amigo Axerold* usa as sopeiras de louça, para desespero de sua esposa!
(*Nota do Tradutor: O Dr. Hebert R. Axerold é um famoso ictiologista alemão nascido no Brasil, autor do Atlas of Freshwater Fishes e co-autor do Atlas of Marine Fishes, titular da revista Tropical Fish Hobbist e responsável pela descrição de diversas espécies de peixes, dentre elas uma das subespécies de Discus).
Não chegamos a nenhuma conclusão quanto a oxigenação das bacias. Não houve nem melhora nem piora no uso ou não de oxigenação , talvez a baixa profundidade seja suficiente para fornecer oxigénio às larvas, mas em todo caso, deixo um suave borbulhar saindo de uma mangueirinha sem pedra porosa, mais para quebrar a tensão superficial. Se necessário, coloque um divisor na mangueira para reduzir o fluxo de ar, que deve ser bem suave.
Como acontece na desova tradicional, logo vemos algumas larvas mal formadas, que geralmente compõem uma percentagem mínima do total. Estas larvas devem ser imediatamente descartadas, pois representam maior consumo de oxigénio e alimento.
É importantíssimo fazer trocas parciais frequentes (quando os ovos estavam na solução de azul de metileno, não haviam trocas parciais). Em grandes estruturas, como a que possuímos, desenvolvemos um sistema de gotejamento, mas essas trocas podem ser feitas manualmente utilizando uma mangueirinha fina ou um copinho plástico. Fazemos duas ou três trocas de 40% do volume total das bacias diariamente. Claro que existem ocasiões em que não é possível fazer nenhuma troca durante um dia inteiro, mas nem ovos nem larvas apresentam grandes problemas, mas um pouco mais de desleixo pode dizimar toda a cria.
A Eclosão!
Um importante ponto a observar é que muitas larvas caindo no fundo da bacia assim que eclodem indicam crias muito fracas, devido à problemas genéticos ou má qualidade da água. Mas em 24 a 36 horas após a eclosão, a maioria das larvas já estarão no fundo das bacias e o cano pode ser retirado, assim como quaisquer detritos do fundo. Aí é esperar que as larvas comecem a nadar livremente, o que geralmente leva 48 horas. Continue com as trocas parciais normalmente. Nós utilizamos nessa etapa a mesma água que usamos para nossos peixes, não sem antes assegurar que esteja na mesma temperatura da água das bacias.
Durante o período que precede o nado livre, as larvas costumam reunir-se em pequenos “bolinhos”, o que é um óptimo sinal, não sabemos exactamente o porquê, mas larvas dispersas geralmente indicam perdas consideráveis.
Chamamos de “desova dores semanais” os casais que desovam nas condições mais adversas, ou seja, sem que os indivíduos passem pela preparação para a desova, ou seja, desovam com o organismo mais fraco do que os casais normais, consequentemente geram crias mais fracas.
Casais que já reproduziram com muita frequência durante muitos anos também podem gerar crias fracas.
Nado Livre
Finalmente, depois de uma longa e paciente espera as larvas desgrudam, ou do fundo das bacias, ou umas das outras, e começam a pernambular desorganizadamente pelo fundo, mas atenção: ESTA AINDA NÃO É A HORA DE INICIAR A ALIMENTAÇÃO DELAS!
Esses primeiros movimentos podem continuar por 4 horas ou mais, pois as larvas vão aprendendo a nadar de pouquinho em pouquinho, em algum tempo começam a nadar um pouco mais acima da superfície.
AGORA SIM CHEGOU A HORA DE ALIMENTAR!! Mas não jogue alimento, mesmo que bem fininho, mesmo depois das larvas já nadarem bem, pois podem ficar alguns restos que apodrecerão, matando muitas larvas.
Alimentação
A alimentação inicia-se quando a maioria das larvas já está nadando próximo às bordas das bacias.
Durante muitos anos experimentamos muitas fórmulas para alimentar as larvas de disco nos primeiros dias de vida. A maioria desses alimentos eram basicamente gema de ovo parcialmente cozida, misturada com alguma coisa. Na fase de testes, identificávamos cada bacia e colocávamos uma fórmula diferente em cada uma delas para verificar qual apresentava melhor resultado, e chegamos a uma alternativa que, dentro todas tentativas, foi a que obteve o melhor resultado!
Gema de ovo crua, de ovos de galinha normais, desses comprados em supermercados, com Spirulina finamente moída e náuplios de Artêmia salina.
A mistura deve ser viscosa, como a textura da pasta de dente, que possa “sujar” com o dedo a borda das bacias sem que desfragmente e acumule no fundo da bacia.
A Spirulina confere à mistura uma coloração verde claro, quase cítrico, mas pode deixar a fórmula menos viscosa, por isso é importante balancear bem a mistura de gema de ovo meio cozida e Spirulina.
Os náuplios de Artemia devem ser bem coados (use filtros de papel para café), macerados e adicionados à mistura na proporção de 1 parte de náuplios para cada 4 partes da mistura na hora de oferecer às larvas. A fórmula sem Artêmia funciona… não tão bem, mas funciona! Há quem alimente as larvas apenas com os náuplios vivos, o que definitivamente não funciona bem!
A Fórmula completa, com Gema de Ovo + Spirulina + Náuplios de Artemia, promove grande aceleração no crescimento das larvas, muito mais do que o normal, das crias alimentadas pelo muco dos pais.
Como oferecemos este alimento? Antes, procure sifonar os detritos do fundo da bacia durante a troca parcial e, com um guardanapo, limpe as bordas da bacia. Coloque mais ou menos meia colherzinha de café da pasta de gema de ovo e Spirulina na palma da mão e misture uma gota os náuplios, macerando-os com o dedo indicador, então esfregue a pasta ao redor de toda a borda da bacia formando uma camada bastante fina e uniforme.
É necessário deixar a pasta exposta ao ar cerca de 50 minutos para que ela possa aderir bem à superfície da bacia, só então complete o volume com água nova e tratada até quase cobrir toda a faixa de pasta. Esta aplicação será suficiente para 20 a 30 horas do nosso programa de alimentação
Depois de 72 horas, ou seja, três dias completos, os alevinos já estão prontos para receber algo mais substancial. Antigamente oferecia a fórmula apenas por dois dias, mas percebi um melhor resultado com um dia a mais.
Trocas Parciais nas Bacias de Crescimento após o Nado Livre
Como temos água morna em contacto com gema de ovo, além de larvas de peixe, construímos um ambiente perfeito para a proliferação de bactéria, inclusive algumas perigosas, como a Salmonella. As trocas parciais frequentes ajudam bastante, mas é recomendável usar algum bactericida na água, e nesse caso, o suave Azul de Metileno não é suficiente.
Em nossa estufa usamos em cada bacia cheia até próximo à borda (aproximadamente 3,6 litros, ou um galão) 20 miligramas de Furan-2, um bactericida composto por 60 miligramas de Furazone, 25 gramas de Furazolidona e duas miligramas de Azul de Metileno*
(*Nota do tradutor: O Dr. Wattley faz seu próprio bactericida a partir da compra dos componentes em separados. Para criações de menor porte ou criadores autónomos, creio que possamos utilizar de formulações adquiridas prontas nas lojas do ramo. Em todo caso, trata-se de uma solução ainda suave, recomendaria utilizar metade da dose recomendada em bula.)
Pré diluído na correcta proporção (é um pó), pode ser colocado directamente em cada bacia a cada troca parcial. Nesta etapa, geralmente iniciamos a alimentação de todas bacias por volta das 7:30h da manhã, fazemos duas trocas de 50% durante o dia e a última troca só acontece à noite, já as fiz à 1:30h da madrugada ou até mais tarde (se estiver passando um filme legal na TV!).
Por volta das 11:00h da noite, geralmente, sifono bem o fundo e retiro mais água, o máximo que for possível sem retirar as larvas, e limpo muito bem a borda das bacias para eliminar quaisquer vestígios da pasta com um guardanapo. Não é bom deixar alimento à noite enquanto os filhotes não comem. Só vai alimentar bactérias que por acaso sobrevivam ao bactericida.
Trocando o Alimento
No quarto dia de nado livre é hora de introduzir algo mais “substancial”, ou seja, náuplios de Artemia recém-eclodidos. Durante a alimentação com a fórmula, você verá as larvas cinzentas, mas após algumas refeições com Artemia, as larvas adquirem uma coloração alaranjada, sobretudo nos olhos, ainda mais se você utilizar uma bacia de crescimento branca.
Geralmente 80% das larvas aceitarão os náuplios tranquilamente, outros demoram um pouco mais, mas acabam cedendo, até por influência dos demais. Na criação de larvas convencional, utiliza-se náuplios desde o primeiro dia, mas muitas larvas ainda não conseguem comê-los, acabam enfraquecidas em relação às demais.
Para garantir que as larvas encontrem os náuplios, convém abaixar a coluna de água para cerca de 2,5cm, até 2cm. Mesmo depois de mortos (náuplios vivem horas na água doce) são ainda muito nutritivos, muito mais que os congelados*.
(*Nota do Tradutor: O autor não faz nenhuma menção neste texto ao uso de ovos de Artemia sem casca para complementar ou substituir os náuplios, teoricamente, duram dias em água doce e são mais nutritivos que os náuplios eclodidos, pois possuem aminoácidos e gorduras, porém não oferecem o incentivo do movimento e são maiores que os náuplios. Minha experiência pessoal no crescimento de larvas de Discus no método convencional observou boa aceitação de ração triturada, talvez o movimento não seja essencial. Em seu website ele vende ovos de Artemia sem casca e menciona sua indicação em tanques de larvas, sem especificar a espécie)
Mantemos as três trocas parciais diárias (manhã, tarde e noite) com bactericidas. Quando da última troca parcial, sifonamos o fundo para retirar nauplios mortos ou moribundos e dejectos das larvas. Como na fase anterior, não deixe seus peixes “dormirem” com a comida.
Após trinta dias alimentando os agora alevinos com náuplios de Artemia, aumentamos a coluna de água ao máximo possível na bacia. Em outros três ou quatro dias, os alevinos estarão aptos a irem para verdadeiros aquários de crescimento.
Aquários de Crescimento
Estes aquários são pequenos ainda, cerca de 7 a 10 litros, dependendo da quantidade de alevinos, e quanto maior o número de indivíduos, menos tempo ficarão nesses aquários. Continuam as trocas parciais com bactericidas e a alimentação com náuplios.
Em cerca de uma ou duas semanas (lotes de mais de 100 alevinos nunca ficam mais de uma semana) os alevinos vão para aquários de 70 litros, pela primeira vez com filtros, geralmente internos de espuma accionados com compressores, bombas submersas são muito fortes e acabam prendendo alevinos da espuma, causando grandes perdas!
As trocas parciais reduzem para apenas uma por dia e cessamos a adição de bactericidas.
Neste aquário introduzimos os mesmos alimentos que oferecemos para os adultos, mas gradualmente, náuplios e alimento para adultos misturados, e a proporção desse alimento para adultos aumentará gradativamente com o passar dos dias.
Esse alimento é nossa fórmula especial, “Jack Wattley Discus Formula*”, que apresenta melhores resultados que a alimentação convencional com Artêmia adulta, pois contém material vegetal, inclusive alho, que age como um endoparasiticida natural.
(*Nota do tradutor: Nem neste texto, nem em seu website há quaisquer menções aos ingredientes que compõem a Jack Wattley Discus Formula, mas certamente contém algum crustáceo, provavelmente Artemia ou camarão, Spirulinna, alho e provavelmente cenoura. Atualmente existem formulações diferenciadas para discos vermelhos, amarelos e azuis).
Em mais algumas semanas os filhotes atingirão um tamanho bem considerável, em cerca de três meses de seu nascimento atingem cerca de 4cm, a meu ver, o tamanho mínimo para que sejam comercializados ou que possam habitar aquários comunitários, inclusive com discos adultos, com mais segurança.
Espero que este passo a passo possa ajudar não apenas os hobistas entusiastas, mas também a outros colegas criadores a desenvolver novas e belas variedades de discus!
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