por Sue Branford | Traduzido por Eloise de Vylder – publicado no site da Mongabay Brasil
Um dos biomas mais ameaçados do Brasil, a Mata Atlântica, enfrenta agora um novo perigo: peixes-zebra (Danio rerio) geneticamente modificados que brilham no escuro.
Apesar de os peixes conhecidos como GloFish terem sido oficialmente proibidos no país, pesquisadores capturaram espécimes em córregos de todas as cinco nascentes pesquisadas na Bacia do Rio Paraíba do Sul, na região Sudeste. A bacia cobre 55.500 km2 dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e é considerada a bacia hidrográfica mais impactada pela atividade humana no Brasil.
“Estou muito preocupado porque esses peixes exóticos podem ter graves impactos ecológicos, tais como competir por alimento [com espécies locais] e predar os peixes nativos”, diz André Magalhães, biólogo da Universidade de São João Del-Rei em Minas Gerais e principal autor de um estudo publicado recentemente.
Alguns dos peixes nativos podem ser levados à extinção por causa desses GloFish e outras espécies introduzidas, diz ele. “Além de muitas espécies de peixes exóticos, agora temos peixes híbridos exóticos e, pior que isso, peixes exóticos geneticamente modificados, como o peixe-zebra transgênico.”
Esse estudo, diz Magalhães, é o primeiro a explorar as estratégias de vida dos peixes-zebra geneticamente modificados (Danio rerio) no ambiente natural. Essa espécie se alimenta de insetos e zooplâncton, que também servem de sustento aos peixes nativos, colocando-os em competição direta, explica o pesquisador.
Magalhães argumenta que isso significa que as nascentes se tornaram suscetíveis à invasão de espécies exóticas. Além disso, embora acredite-se amplamente que o GloFish (que inclui outras espécies de peixes geneticamente modificados para adquirir fluorescência) sejam inférteis, o estudo descobriu que esses peixes estavam se reproduzindo em duas das nascentes. Em uma delas, o Córrego Queiroga, no município de Divino (MG), “eles se reproduzem todos os meses do ano”, disse Magalhães.
Isso agrava uma situação já preocupante, diz ele: “O risco de que esses peixes exóticos levem ao extermínio dos peixes nativos é real e ficará ainda maior, a menos que as autoridades tomem providências para impedir que eles fujam dos criadouros.”
Jean Vitule, especialista em peixes da Universidade do Paraná, que não esteve envolvido no estudo, concorda: “Estou muito preocupado [com as descobertas], porque a chegada do peixe transgênico nessa bacia hidrográfica é um tiro no escuro”, disse à Mongabay. “Não sabemos a gravidade dos problemas que virão, uma vez que eles estão fugindo para uma região pouco estudada.”
O controverso GloFish
No final dos anos 1990, a Universidade Nacional de Cingapura criou o primeiro peixe geneticamente modificado, acrescentando genes de proteínas fluorescentes vermelhas e verdes retirados de anêmonas e águas-vivas ao peixe-zebra silvestre (Danio rerio), espécie nativa do Sul Asiático que é popular no comércio aquarista. A companhia norte-americana Yorktown Technologies obteve os direitos de comercialização dos cientistas da universidade e começou a produzir e vender o peixe sob o nome de GloFish.
Desde 2001, quando a Yorktown foi fundada, engenheiros genéticos da empresa vêm produzindo versões coloridas de diversas espécies de peixes ornamentais, dando-lhes nomes chamativos como “Electric Green” (“Verde Elétrico”), “Galactic Purple” (“Roxo Galáctico”), “Sunburst Orange” (algo como “Laranja Solar”) e “Starfire Red” (algo como “Vermelho Estelar”).
A FDA (agência reguladora de alimentos e medicamentos dos EUA) mostrou pouca preocupação com o risco ambiental que o peixe representava. “Não há evidências de que o peixe-zebra geneticamente modificado represente maior risco ao meio ambiente do que os peixes não modificados, que há muito são vendidos nos EUA”, declarou a agência em 2003. “Na ausência de um claro risco à saúde pública, o FDA não vê motivo para regular esse peixe em particular.”
Um estudo publicado em 2015 pareceu confirmar a avaliação da FDA. Pesquisadores da Universidade Purdue, nos EUA, estudaram mais de 18.500 peixes-zebra adultos, tanto silvestres quanto GloFish, de 18 populações ao longo de 15 gerações. Eles descobriram que muito embora as fêmeas do peixe-zebra prefiram os machos geneticamente modificados como parceiros, os machos silvestres eram bem mais agressivos.
E foi isso que venceu. Os machos silvestres espantaram os peixes fluorescentes e ficaram com todas as fêmeas, o que levou à extinção dos transgênicos”, disse William Muir, autor sênior do estudo e biólogo que fez a avaliação de risco para a FDA, numa entrevista em vídeo para a Mongabay. Os machos silvestres tiveram 2,5 vezes mais filhotes do que os GloFish.
“Se produzimos um organismo transgênico que tem menos vitalidade no meio ambiente, a evolução se encarrega de removê-lo”, diz Muir. “A natureza experimenta com mutações o tempo todo, e preserva apenas os melhores entre os melhores.”
Ele também acredita que os cientistas brasileiros estejam exagerando os riscos e afirma que a nova pesquisa é “quase um estudo sobre nada. Eles conseguiram publicá-la numa revista de alta qualidade porque impressiona.” Muir diz que, embora haja razões para preocupação, não é “porque um peixe geneticamente modificado foi encontrado, mas porque a região está passando por uma invasão de animais exóticos.”
Mas Magalhães discorda. “A pesquisa do professor Muir foi feita num laboratório, enquanto a nossa foi feita na natureza”, disse ele. “Num laboratório, você pode controlar as variáveis, mas na natureza, não.”
Eles não têm certeza, por exemplo, de que as espécies geneticamente modificadas sairão perdendo, especialmente num ecossistema em que não têm predadores nativos. E a ideia de o peixe fluorescente proliferar na Mata Atlântica deixa-o horrorizado, diz Magalhães.
O estudo recomenda instalar dispositivos simples como redes nos criadouros de peixes para evitar ou reduzir as fugas de GloFish. Caso eles consigam escapar, deve-se construir lagos de retenção com peixes nativos predadores, como o dentudo (Oligosarcus hepsetus), que se alimentaria dos peixes-zebra antes que eles atingissem um curso natural de água. O estudo também pede incentivos para que criadouros ornamentais locais criem esécies nativas da região, em vez de exóticas como o peixe-zebra, e diz que a proibição total dos peixes transgênicos no Brasil, como recomendada pelo Ibama, deve ser cumprida.
De acordo com Magalhões, a importação de peixes transgênicos foi proibida pelo Ibama em 2017, mas a página no site do órgão detalhando a proibição, que ele acessou em março de 2020, desapareceu. O Ibama não respondeu aos pedidos de esclarecimento da reportagem. Contudo, o site do Ibama fornece evidências de que a proibição da importação de peixes transgênicos ainda é válida, afirmando que a lista de espécies que podem ser importadas legalmente não se aplica aos peixes geneticamente modificados.
Contudo, os peixes transgênicos continuam sendo anunciados em sites brasileiros. Nesta página, um GloFish rosa conhecido como “Paulistinha Rosa” é anunciado para venda por uma loja de aquarismo no Piauí. O estabelecimento não respondeu aos pedidos de comentário da Mongabay. Outros fornecedores publicam vídeos de peixes transgênicos no Facebook, como este de uma loja em Manaus, para atrair consumidores. Numa mensagem por telefone, a M.P Peixes ornamentais disse que o aquário de peixes transgênicos tem apenas função decorativa e que não vende os peixes.
Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil
Publicado em Julho de 2022
Ultimamente tenho visto mesmo os peixes transgênicos em algumas cidades, fiquei até com duvida se tinha acabado a proibição.
Ainda está proibido.
Essa é uma daquelas leis que “não pegou”, vejo aqui na baixada santista que basicamente qualquer loja pet ou especializada tem desses peixes para vender.
tente denunciar o glofish e o ministério do ambiente porque esses peixes que brilham tem copyright e também o ministério do ambiente para tirarem das nascentes.
Peixes exóticos como o zebra, pequeno e colorido, jamais será um risco ao nossos cursos de água. Pois estarão na base da cadeia alimentar. Predadores, sejam outros peixes maiores e aves, localizaram com facilidade. O fato da trangenia ainda deixá-los mais visíveis no meio, torna-os meias frágeis.
O IBAMA não tem o que fazer? Tucunaré, Astronotus ocellatus que são originários da bacia amazônica hj estão em diversas outras bacias e rios causando danos, pois são predadores que não estão na base da cadeia alimentar. Um pequeno riacho próximo a Maceió, de uma década para cá, numa enchente foi introduzido tucunarés,hj quase dizimou quase toda a fauna dos peixes pequenos e até os camurins, que subiam rio acima para reproduzir, estão se acabando pois seus filhotes não sobrevivem aos tucunarés.