Autor: Marcos Mataratzis
As vezes presenciamos certas mortes inexplicadas em nossos aquários. O peixe estava ótimo e logo depois de uma troca parcial de água ele morre sem nenhuma explicação aparente. O pH e a temperatura da água de reposição foram ajustados mas mesmo assim o peixe morreu. Outras vezes, trazemos peixes de outros de nossos aquários e dois ou três dias depois o peixe morre também de forma inexplicada. Qual a causa disso?
Peixes marinhos vivem numa água contendo muitos sais dissolvidos. Seus fluidos corporais não possuem tanto sal assim. Existe uma tendência natural da água fluir de um local diluído para um local mais concentrado. Esta tendência recebe o nome de Pressão Osmótica. Assim, todo peixe de água salgada deveria perder sua água. Ela deveria sair de seu corpo onde os sais estão em pequena concentração e ir para fora, para tentar diluir a água externa. Veja então que existe uma tendência do peixe em desidratar. Inversamente, os peixes de água doce passam pelo esquema inverso. Existem muitos sais dissolvidos em seus fluidos corporais e poucos sais (ou em menor concentração) presentes na água. Desta vez, a água tem uma tendência a entrar no peixe para diluir tais fluidos e ele deveria inchar até a morte. O que impede que as duas coisas acima aconteçam é um mecanismo chamado Osmoregulação que consiste na manutenção da pressão osmótica dos fluidos internos em face da concentração externa diferente, mediante gasto de energia.
Existem diversos tipos de sais dissolvidos na água de nossos aquários como carbonatos, bicarbonatos, nitratos e fosfatos de sódio, potássio, cálcio, magnésio, ferro e de diversos outros elementos, presentes em menor concentração. Eles todos formam o que chamamos de Sólidos Totais Dissolvidos ou TDS (Total Dissolved Solids), responsáveis pela existência da pressão osmótica que regula os fluidos internos do peixe e pela excreção de toxinas como a amônia. Mudanças drásticas no TDS podem estressar e até matar o peixe. Por esse motivo, a aclimatação do peixe a novos valores de TDS são importantíssimos e devemos nos ater um pouco mais nesse item.
O TDS mede a quantidade total de minerais contidos na água. Alguns deles contribuem para o aumento da Dureza Total da água como cálcio e magnésio. Outros como sódio e potássio não contribuem para elevar nem a dureza total nem a parcial (dureza em carbonatos) mas mesmo assim estão presentes na água. Dessa forma, o TDS pode ser uma forma mais correta de avaliarmos as implicações desses minerais no metabolismo dos peixes do que somente a Dureza.
O TDS pode ser medido de três formas distintas: pela densidade da água, pela sua condutibilidade ou através de seu índice de refração. Não vou entrar em detalhes dessas medições mas podemos usar uma aproximação de que o TDS é proporcional ao GH e ao KH, significando que quanto maiores seus valores, maior deve ser o TDS. Apenas como exemplo comparativo, observe os valores da tabela abaixo:
Movendo um peixe de uma água com alto TDS para uma de baixo TDS:
Para manter sua osmoregulação equilibrada, um peixe que vive numa água contendo muitos sais dissolvidos teve que incorporar lentamente estes sais a seu organismo (lembre-se que a pressão osmótica não empurra nem puxa sais mas sim a água). Quando você o coloca em uma água com um TDS baixo a água tende a entrar no peixe para diluir seus sais internos. Isto o impede de excretar a amônia através de suas guelras e ele tende a inchar, forçando muito sua respiração e rins.
Movendo um peixe de uma água com baixo TDS para uma de alto TDS:
Dessa vez o peixe irá expelir mais água do que ele consegue beber e ele sofrerá desidratação, por mais estranho que isso possa parecer.
Entre as duas situações citadas acima, a primeira é bem mais perigosa e causa mortis de muitos peixes que não foram devidamente aclimatados. A aclimatação então é fundamental e deve levar alguns dias (e não minutos como muitos ensinam).
Aclimatando peixes novos em nossos aquários:
Ao comprar novos peixes é recomendável pedir ao lojista que faça todos os testes possíveis na água do aquário de onde o peixe veio e anotar os resultados.
– Mas se eu fizer isso o lojista vai te olhar de nariz torto ou vai inventar uma desculpa qualquer para não fazer este ou aquele teste. Deixa prá lá… eu faço os testes em casa.
Bem… dependendo da distância entre a loja e sua casa, do tamanho do peixe e da quantidade de água presente no saco de transporte muitos dos parâmetros dessa água poderão variar até que você chegue à sua casa. É possível que exista amônia nessa água, quem sabe algum nitrito, provavelmente estará mais fria que na loja, com menos oxigênio, seu pH certamente terá caído um pouco e isso tudo pode alterar inclusive a dureza total (GH) e até mesmo a reserva alcalina dessa água (KH). Então, medir cada um desses parâmetros em casa pode não lhe dar uma visão correta da química da água do aquário do qual o peixe foi originariamente retirado. Se for fazer os testes em casa, peça ao lojista uma amostra da água do aquário à parte, num saco extra, somente contendo a água. As chances de erro nas medições agora serão menores.
– Certo, cheguei com o peixe em casa, fiz todos os testes e vejo que nem todos os parâmetros estão muito parecidos com os da água de meu aquário. Como proceder?
Bem, você pode ter uma idéia do TDS da água pelos resultados do GH, do KH e também da densidade da água. Repare que TDS não é a mesma coisa que Dureza. Uma água pode ser extremamente Dura e ter poucos sais dissolvidos. Entretanto, o KH nos informa a quantidade de sais de carbonatos e bicarbonatos (dureza parcial em carbonatos) e isto pode nos dar uma idéia da quantidade de sais dissolvidos.
Ao aclimatar o peixe, certifique-se que a água do aquário de quarentena/aclimatação possua um TDS o mais parecido possível com a água do saco do aquário da loja e não com o TDS da água de seu aquário. Se errar nas contas é melhor que você erre por excesso do que por falta. Em outras palavras, é melhor que a água da quarentena/aclimatação possua um TDS maior do que menor que a água do aquário da loja de peixes. Você pode se certificar disto fazendo com que tanto a dureza geral quanto a dureza de carbonatos da água de seu aquário de quarentena sejam maiores do que as da água da loja de peixes. Se for necessário elevar a dureza de sua água você pode usar cloreto de cálcio e sulfato de magnésio (Sal de Epson) para elevar a dureza total e bicarbonato de sódio para elevar a dureza em carbonatos. Há quem coloque também um pouco de sal de cozinha nessa água sob alegação de que ele facilita as trocas nas guelras, permitindo a melhor eliminação da amônia mas existem peixes sensíveis ao NaCl, motivo pelo qual não recomendo sua utilização. O bicarbonato de sódio também exerce igual papel no desbloqueio das guelras.
Este processo de aclimatação não deve demorar menos que 2 semanas. Na primeira semana faça pequenas trocas parciais de água (10% é um bom valor) a cada 2 dias, usando água com GH e KH menores que o do aquário de quarentena.
Na segunda semana faça as trocas de 20% (também a cada 2 dias) repondo com água de seu aquário.
Ao longo destes 14 dias você irá, o mais lentamente possível, ajustando temperatura e pH para igualar estes valores aos de seu aquário. O TDS é o fator que mereceu atenção especial nesse processo.
Se seu problema for o inverso (a água de seu aquário tem um TDS maior que o da loja de peixes) seu problema é menos grave. Você poderá fazer a aclimatação em menos tempo e usando águas de trocas com valores de GH e KH maiores que os da água da loja.
muito esclarecedora e extremamente informativa a matéria sobre TDS GH e KH, sou iniciante e entender sobre o processo de aclimatação e osmoregulação tem sido um desafio mas a matéria ajudou demais. Muito Obrigado!