Tubarões de água doce

 

Autor: Edson Rechi – Outubro/2011 – Atualização Setembro/2016

Artigo publicado originalmente na Revista Bioaquaria (Portugal) e Revista Aqualon (Brasil)

Introdução

Existe um grande número de peixes conhecidos como “tubarões de água doce” e embora não estão intimamente ligados aos verdadeiros tubarões, são popularmente rotulados como tal devido sua morfologia externa bastante similar a de tubarões verdadeiros. Algumas características como nadadeira dorsal alta,  formato torpedo do corpo e forma de nadar são algumas das semelhanças. Mas as comparações se restringem somente a estas semelhanças, uma vez que sua ecologia e biologia são totalmente diferentes dos elasmobrânquios verdadeiros (tubarões, arraias e outros peixes cartilaginosos).

Este artigo visa demonstrar tais espécies, comum entre aquaristas, e um pouco de suas características.

“Tubarões” de água doce

As espécies mais comuns e conhecidas como tubarões de água doce encontram-se na ordem Cypriniformes e Siluriformes. A primeira ordem possui mais de uma dezena de famílias, incluindo a comum família Cyprinidae (Ciprinídeos), apresentando mais de 2.500 espécies de peixes. É uma das ordens mais numerosas e importantes na classificação atual, enquanto a segunda ordem apresenta espécies conhecidas como peixes gato, devido à presença de grandes barbilhos ao lado da boca, lembrando bigodes de um gato, determinadas características do crânio e vesícula natatória, além da ausência das escamas.

Entre as espécies mais comuns no aquarismo estão:

Ordem Siluriformes; família Pangasiidae (shark catfishes)

Pangasius sanitwongsei no Aquário de Berlim
Pangasius sanitwongsei no Aquário de Berlim

Atualmente, esta família possui próximo de 30 espécies distribuídas em três gêneros: Helicophagus, Pseudolais Pangasius.

Variando a espécie são encontrados em águas continentais, principalmente nas bacias Mekong e Chao Phraya na Ásia. Eventualmente algumas espécies podem frequentar ambiente estuarino, sendo peixes bastante resistentes, motivo o qual são bastante apreciados na aquacultura.

O tamanho destas espécies pode variar bastante, desde o pequeno Pangasius myanmar, com seus 20 cm, até um dos maiores peixes de água doce como o Pangasianodon gigas que pode chegar próximo a 300 cm.

Ordem Siluriformes; família Aridaee (sea catfishes)

Arius latiscutatus capturado em rio da Gâmbia
Arius latiscutatus capturado em rio da Gâmbia

A família dos Arídeos comporta cerca de 120 espécies distribuídas em 14 gêneros. Os gêneros mais comuns e numerosos são Arius Sciades. São encontrados em todo mundo, principalmente América do Sul e Norte, Ásia e África.

O tamanho das espécies pode variar de 30 cm (Arius arenarius) até as maiores como o Arius gigante (Arius gigas) e o Netuma Gigante (Netuma thalassina) com seus 160 cm e 185 cm respectivamente. A maior parte das espécies compreendidas desta família possui o tamanho entre 30 cm e 80 cm e vivem nos mais diversos ambientes como água doce e regiões estuarinas e em alguns casos associados a recifes.

Ordem Cypriniformes; família Cyprinidae

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Labeo chrysophekadion em aquário

A família dos Ciprinídeos é uma das mais populares entre os aquaristas. Apresenta espécies como os peixes de água fria (Gêneros Cyprinus Carassius), barbos, comedores de algas, danios e outras espécies de peixes ornamentais relativamente comuns.

Entre os peixes chamados de tubarão de água doce, esta família apresenta os populares Labeos (gêneros Epalzeorhynchos Labeo) e o Balashark (Balantiocheilus melanopterus). O gênero Labeo possui dezenas de espécies oriundos principalmente da Ásia e África, a grande maioria desconhecido dos  aquaristas.

Cinco espécies merecem destaque por serem bastante acessíveis: os populares Labeo Bicolor (Epalzeorhynchos bicolor), Labeo Frenatus (Epalzeorhynchos frenatum), Labeo Negro (Labeo chrysophekadion),  Barbo denisoni (Puntius denisonii) e Balashark (Balantiocheilus melanopterus).

balashark-balantiocheilus-melanopterus
Balantiocheilus melanopterus em aquário

Há uma série de outros peixes que são referidos como tubarões de água doce. Tais espécies, usuais ou não no comércio, não são verdadeiros tubarões, sendo assim rotulados erroneamente. O certo é que se você entrar em sua loja predileta e der de cara com um “tubarão de água doce”, esteja certo de que não se trata de um tubarão verdadeiro, embora alguns pouquíssimos tubarões que vivem a vida inteira, ou parte dela, em água doce, como veremos a seguir.

Verdadeiros tubarões (elasmobrânquio) em águas continentais

Sim, embora o número de elasmobrânquios encontrados em água doce ser infinitamente inferior as espécies que frequentam água marinha e salobra, existem espécies que vivem unicamente em água continental, invade ou passa parte de sua vida neste ambiente.

Carcharhinus leucas (Bahamas)
Carcharhinus leucas (Bahamas)

Espécies que entram ou vivem em água doce e foram relatadas, incluem as Arraias que vivem exclusivamente em água doce (família Potamotrygonidae), Arraias estuarinas e marinhas (família Rajidae) e Arraias que podem frequentar os três ambientes variando a espécie (família Dasyatidae).

Entre os tubarões, o mais comum encontrado em água doce é o Tubarão Touro (Carcharhinus leucas), também conhecido como Tubarão Cabeça Chata, devido seu aspecto robusto e reputação agressiva. Apesar de ser considerado uma espécie marinha, é conhecido pela sua predileção pela água doce e famoso por invadir sistemas de água doce sendo facilmente encontrado em rios e estuários. Relatos indicam que já foram encontrados a mais de 3.000 km do delta de alguns rios, incluindo o Amazonas e Mississípi, com suspeita de estarem envolvidos em acidentes fatais. Devido às suas incursões em ambiente de água doce são mais propensos a terem contato com humanos, mas a possibilidade de você encontrá-lo neste ambiente é bastante remota.

Existem outros tubarões que vivem inteiramente em água doce, como as espécies do gênero Glyphis. Estudos e informações sobre as espécies deste gênero são bastante escassas. São encontrados na Nova Guiné e Bornéu. Seu tamanho pode variar de 2 a 3 metros, possuem dentes finos e olhos pequenos, sugerindo se tratar de caçadores que se adaptam a águas turvas, comum em regiões estuarinas e fluviais. A maioria das espécies deste gênero pode frequentar água doce, salobra ou marinha, com exceção ao Glyphis fowlerae que parece viver exclusivamente em água doce.

Glyphis garricki capturado na Austrália
Glyphis garricki capturado na Austrália

Podem ser confundidos com o Tubarão Touro, apesar de diferenças sutis em sua morfologia externa, por frequentarem o mesmo ambiente durante algumas fases de suas vidas. No entanto, Glyphis parece ser especialmente adaptado para ambientes de baixo oxigênio, algo letal para a maioria dos tubarões, e baixa salinidade, contrário o Tubarão Touro, que poderá frequentar ambiente de água doce em curto tempo, comparado as espécies do gênero Glyphis.

Outro tubarão relativamente comum em águas continentais e salobra é o Tubarão Marrom (Carcharhinus plumbeus). Sua biologia está intimamente ligada ao Tubarão Touro e é um dos maiores tubarões costeiro de todo mundo, possuindo nadadeira dorsal triangular bastante alta. Normalmente apresentam focinho arredondado e mais curto que a média dos demais tubarões. São solitários e costumam ser mais ativos no período noturno, sendo encontrados principalmente em águas costeiras como baías, estuários, portos e bocas dos rios e também em águas profundas.

Frequentam águas tropicais no oeste Atlântico, desde Massachusetts até a costa brasileira. Sua dieta consiste basicamente em peixes, arraias e outros animais de fundo e seu principal predador natural é outros tubarões como o Tigre e Touro, além de grandes tubarões brancos, este último os ataques são mais raros. É considerado inofensivo para seres humanos, sendo este seu principal predador. É uma espécie de maturação lenta e baixa taxa reprodutiva, que os torna particularmente vulnerável a ameaças como a caça comercial e sobrepesca.

Há ainda outras poucas espécies de elasmobrânquios que foram relatados invadirem sistemas de água doce. Sua tolerância a outros ambientes é notável, embora bastante limitada.

Seu sangue, em termos de resistência osmótica, é tão salgado como a água do mar, através do acúmulo de ureia e óxido de trimetilamina. Espécies como o Tubarão Touro e os Peixes-serra, entre outras, reduzem a concentração destes solutos em até 50% quando se encontram em ambiente de água doce e necessitam produzir até vinte vezes mais urina que em água salgada. Quando há a mudança de água salgada para água doce, aumentam sua excreção de urina mais que o normal, e sua concentração de ureia no sangue diminui para menos de um terço.

Tubarões de água salgada possuem altas concentrações de ureia no sangue para reter água no ambiente marinho, e os tubarões de água doce possuem baixas concentrações de ureia para evitar a acúmulo de água.

Sobre Edson Rechi 879 Artigos
Aquarista em duas fases distintas, a primeira quando criança e tentava manter peixes ornamentais sem muito sucesso. Após um longo período sem aquários voltou no aquarismo em 2004. Desde então já manteve diversos tipos de aquários como plantado, peixes jumbo, ciclídeos africanos, água salobra e amazônico comunitário. Atualmente curte ciclídeos e tetras neotropicais, além de peixes primitivos.

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